Publicado em Jul 6, 2011

Portugal no recreio da escola primária

O primeiro miúdo, o mais franzino, parecia ser o mais fraco. Os mais fortes resolveram pô-lo à prova: seria um alvo fácil dada a sua fragilidade. Ao primeiro que se aproximou respondeu “fazes-me alguma e levas um pontapé nos tomates”. Rapidamente mudaram de ideias.

O segundo miúdo, bem bronzeado e com ar simpático não teria sido escolhido não fosse o ser ar anafado, de quem come com as mãos e se enfarta todos os dias à mesa. Resolveram primeiro tirar-lhe o boné, já gasto do Sol. Voo de um lado para o outro entre as mãos dos mais atletas até ao fim do recreio. Ainda tentou correr, mas desistiu cedo e nunca mais recuperou o boné. No dia seguinte já levava pancada de todos, até do franzino, com quem no dia anterior, tinha tentado um pacto de não agressão circunstancial.

As meninas foram repreendidas por espalharem a notícia de que o gordinho lá da escola era o mais fraco de todos. Foi-lhes dito que era feio o que andavam a fazer e que só incentivava outros a baterem-lhe também. A directora da escola aconselhou-o: “Se te baterem mais vem-me dizer imediatamente; o que te estão a fazer não é correcto”.

O pai, não menos rechonchudo, foi mais longe: “avisa-os que lhes dás um pontapé nos tomates se te fizerem mal”. No segundo dia, já ia mais longe: “dá-lhes mesmo um pontapé nos tomates”.

Como já ninguém o levava a sério – de ser tão roliço, nem um pontapé conseguia dar – o pai, já em desespero, pensou: “Já só há uma maneira de resolver isto, quando ele hoje chegar da escola, vou-lhe dizer para levar a minha arma e dar um tiro num”.

Não era o pai o único a estremar posições. Determinados a ver até onde o pequeno podia ir, tinham-no levado, nesse mesmo dia, para uma falésia de uma praia perto.

Quem nem cães a coelho, rodeavam-no e ladravam: “Atira-te maricas, atira-te”! Os gritos da matilha de um lado e o precipício da falésia do outro.

Conseguiria o seu rebento ganhar coragem e, finalmente e em desespero, retaliar? Ou desistiria nos braços da sua fraqueza e, para espanto e gáudio dos outros rapazes, atirar-se-ia mesmo pela falésia abaixo?