Publicado em Jul 7, 2005

A Alqaeda e os números

As recentes revelações sobre os atentados de Londres vêm trazer por terra um argumento que muitas vezes é usado por nós, culturas ocidentais, para explicar os actos terroristas. Qualquer coisa como isto: quem pratica os actos terroristas é filho de uma vivência muito própria, de uma educação espartana, fundamentalista e principalmente, não tem nada a perder. Vive na pobreza extrema e portanto, a morte é uma opção quando não se tem um emprego “fixe”, um carro para “ir para fora cá dentro” passear no fim-de-semana e uma casa decorada com design “a la carte”, graças ao Ikea. Para quem não tem nada disto, é claro que a morte é uma opção. Eu próprio, admito, cheguei em tempos a comprar esta ideia pronta-a-vestir. Os terroristas de Londres tinham tudo isto desde que nasceram e estavam completamente integrados na comunidade britânica. Tinham tudo aquilo, menos a convicção de que tudo aquilo é suficiente. E essa é uma diferença fundamental. E essa é toda uma questão fundamental. Reparam, por certo, que usei a palavra fundamental duas vezes. O que é fundamental hoje em dia, pergunto eu? O que justifica a nossa vida? Pelo que éramos capazes de dar o bem mais precioso que possuímos hoje em dia, isto é, a nossa própria vida? Para além da própria vida dos nossos filhos, nenhum outro motivo ou causa justificaria tal sacrifício. É preciso continuar vivo e continuar a produzir e a consumir. O que hoje parece inquestionável, nunca foi assim. E todos sabemos isso. Todos já vimos filmes de outras épocas em que a honra, a pátria ou a lealdade eram valores que se sobrepunham sempre à vida. E são esses os valores que os terroristas defenderam. Na mente destes jovens, estão a defender uma nação, um povo, estão a salvar toda uma pátria. Eles são o próprio Willliam Wallace!

Publicado em Jun 15, 2005

O Piercing

Uma amiga minha fez recentemente um piercing.
Li algures uma teoria com piada. Diz que, como vivemos numa altura sem guerras e sem pedaços de metal a entrar pelo corpo dentro, somos nós próprios a introduzi-las. Segundo a mesma teoria, desde os tempos mais remotos que precisamos de mutilar o corpo para nos sentirmos vivos. Eu ainda não precisei. Talvez por isso, às vezes, não tenho a certeza que estou vivo.

Publicado em Jun 1, 2005

O Buraco da Saúde

Lia-se num jornal diário em parangonas: “O Buraco da Saúde é o principal responsável pelo extraordinário aumento do valor do défice”. Mas que diabo, ele há coisas na Saúde que não são fáceis de perceber.

Proponho-lhe que faça a seguinte experiência: tente marcar uma consulta num qualquer hospital público, da parte da tarde. Depois, tente marcar uma outra consulta num qualquer hospital privado, mas desta vez, de manhã. Muito provavelmente, não conseguiu! É que, regra geral, os hospitais públicos só têm médicos, enfermeiras, radiologistas, etc, até à hora de almoço. Imagine para onde vai a maior parte à tarde. Será que todo o pessoal está com contratos part-time? Mesmo que fosse essa a situação, o desperdício de recursos seria enorme.

E há mais, esta semana, por exemplo, em que foi feriado na Quinta-feira, todos os doentes internados ficaram em stand-by desde Quarta à hora de almoço até Segunda-feira de manhã. Não houve análises, exames, consultas ou altas para ninguém. Nem há mesmo médicos em muitos pisos. Caso se sintam pior, chamam-se os médicos que estão na urgência. Se tivessem sido operados ou tratados, muitos deles teriam tido alta mais cedo, libertando assim o Hospital de muitos encargos e melhorando a qualidade de vida destes doentes. É assim tão difícil?

E, já agora, quem é que controla as faltas, horários ou desempenho de todo o pessoal?
Na minha modesta opinião, faz falta, urgentemente, sanear todo o sistema de saúde. Ir buscar regras ao sistema privado e gerir os hospitais como empresas, com um gestor em cada piso/departamento de cada hospital!
E não se assustem. É que as empresas, para além de gostarem de dar lucro, também gostam de agradar e manter os clientes e manterem uma reputação de excelência pelos serviços que prestam.

Publicado em Mai 1, 2005

Fuga ao Fisco: categoria “já não era sem tempo”

Funerais, casamentos, baptizados e outros eventos semelhantes tem fuga ao fisco às claras e sem que ninguém se importe muito com isso. Enfim, parece que agora, finalmente, se está a fazer alguma coisa. Começaram pelos casamentos. As cartinhas para quem se casou há pouco tempo estão a chegar: Caros Pombinhos, depois da festarola toca a por a boca, desta vez, no trombone e dizer quem vos fez o casamento e que facturas receberam. Receberam a factura da florista, das babysiters, do grupo de música? É que, se vinha tudo englobado numa só factura, o IVA pode muito bem não ter sido pago ou pior ainda e muito mais provável, ter ido parar a bolsos alheios! Não me digam que nunca tinham pensado nisso?

Publicado em Abr 19, 2005

Habemus Papa

Temos Papa! Lamento, mas tenho de confessar que não gosto do novo Papa. O “Pastor Alemão de Deus”, a volta do “Grande Inquisidor”, a participação na Juventude Hitleriana, nada disso me incomoda. As pessoas mudam. Mas gostar é subjectivo: ou se gosta ou não se gosta. E o que me faz não gostar do novo Papa é o seu olhar, o seu semblante, a sua áurea, a maneira como olha para as pessoas e a maneira como fala para as pessoas (em Latin!). E depois, na comparação com João Paulo II, perde em todas as frentes. Acho que a frase que melhor perspectiva isto é: João Paulo II disse “Se me enganar corrijam-me”. Pio IX diz “Se me enganar, livrem-se de me corrigir”.

João Paulo II teve uma importância fundamental na queda da Rússia como potência e estou convicto que poderá até ter evitado guerras no coração da nossa Europa. Para o desempenho deste seu papel fundamental, não fez uso de tratados, acordos ou outras intervenções instituídas. Foi simplesmente, a sua maneira de ver o mundo.

É que a maneira de ver o mundo de um líder religioso é a inspiração para todos os seus seguidores. E sendo ele o líder religioso com maior número de crentes no mundo, a sua importância é imensurável. É errado pensar que só os líderes religiosos islâmicos iniciam guerras ou sustêm povos, justificando-o com o fanatismo de alguns povos islâmicos. Para todos os outros a importância não é tão fácil de medir, mas está lá. Está lá na altura em que tomam decisões, muitas vezes até inconscientemente. Está lá quando pensam se devem ou não vingar-se do vizinho que riscou o carro, e está lá quando um líder de um pais decide se deve ao não recorrer à força para retaliar um embargo económico.

E é isso, só isso, que me preocupa neste novo Papa. Queira Deus esteja errado.

A morte João Paulo II ficará também e para sempre marcada na minha memória como a altura da minha Grande Perda pessoal. Precisamente na mesma altura em que perdia a inspiração religiosa do Pai ecuménico, perdia a inspiração de vida do meu para sempre querido Pai. A minha Referência, o meu Herói.

Publicado em Abr 2, 2005

Os Árbitros e o Futebol

Os árbitros e a corrupção no futebol. Não percebo, sinceramente, não percebo.

Qualquer economista minimamente competente explicaria porque o actual modelo de arbitragem no futebol não funciona. É muito simples. Marcar ou não um penalti numa final da taça dos campeões, por exemplo, é uma decisão que vale milhões (para os clubes envolvidos), e está na mão de um só homem. E mais, a decisão, mesmo que provadamente errada, é irrevogável e válida. Não há segundas opiniões, recursos, comissões de avaliação, nada, zero! Aplique-se este mesmo princípio em qualquer outra situação em que uma única decisão com mais valias de milhões, é tomada por uma única pessoa, completamente alheia aos mesmos milhões, e de forma inquestionável! Teremos que recuar ao tempo da realeza para tal proeza. E provavelmente, nem aí. Alvíssaras eram sempre devidas.

Mas brinquemos um pouco mais: imaginemos políticos, diplomatas, banqueiros ou meros homens de negócios, começarem avulso, um belo dia, a tomar decisões de acordo com aquele modelo. Convenhamos, decisões do género existem, mas as diferenças são duas: primeiro, aos interessados (e/ou povo) deve ser dada uma explicação plausível – que, regra geral deverá conter alguma percentagem de verdade – e é comummente aceite que os interessados – grupos de pressão ou lobbys – metam ao bolso a parte que lhes compete.

Aos árbitros pelo contrário, aceitam-se sem explicação, decisões erradas, uma vez que a percepção do árbitro é falível. E de facto, é um ser humano, é falível. Mas sendo um ser humano, tem família e filhos, e como tal deverá fazer o que todo o bom progenitor faz: (em qualquer espécie animal) preparar o melhor que pode o futuro dos seus filhos.
Assim, aceitar uma choruda oferta para facilitar a vida a uma das equipas em jogo, não pode ser censurado, e deve mesmo ser até ser desculpado e compreendido. Analisemos bem os factos: ele pode falhar e são aceites decisões erradas. Mas uma decisão “errada” tem as suas razões. Pode ter sido devido a falha na atenção do seu olhar, porque nunca foi com a cara daquele jogador, porque a claque do clube estava a fazer demasiado barulho ou porque resolveu pagar a operação em Cuba do seu filho que está gravemente doente. Sinceramente, a última não me choca mesmo nada. Ninguém lhe vai pedir para explicar porque tomou “aquela” decisão errada e não outra.

É o sistema, meus caros, é o sistema. Por último só questiono: se é tão fácil perceber isto, pergunto-me porque ainda continua assim?! Acho que a resposta também é fácil, fácil demais…

Publicado em Jan 3, 2005

Ainda 2004. O que ficou de 2004?

1. Tal como qualquer imigra, o nosso primeiro-ministro, José Manuel Barroso, abandonou o país à procura de melhor sorte. Triste sorte, a da nossa viúva pátria, que já não é suficientemente atraente?! Não. Acredito antes que existem cada vez mais maus políticos incapazes de defender outro ideal que não seja o dinheirinho no bolso. Assim sendo, o gesto arratazanoado de abandonar a nossa barcaça lusa foi um bom gesto! Quanto mais longe, melhor.

2. O senhor que se seguiu foi Santana Lopes. É preciso dizer alguma coisa?! A não ser, talvez, que fui testemunha, mais do que uma vez, da sua entrada sorrateira pela cozinha para o privado de uma discoteca bem conhecida da Kapital. Ser visto pela elite é uma coisa, ser visto pelo povo é outra. E também ouviram por certo aquela outra história deliciosa em que, de férias no Algarve, o personagem mandou parar as obras na sua rua para poder dormir. Ainda propôs a mudança do horário, mas parece que as construtoras recusaram ter os homens a trabalhar até às 4 da manhã. Aplica-se o referido acima, quanto mais longe melhor.

3. Tivemos também o Euro2004. Como não sou apreciador, vou-me abster de comentar. Refiro apenas que nada serve tanto para levantar o ego deste pequeno povo do que umas vitórias no futebol. Venham elas. Não acreditam? É porque nunca jogaram ao Sim City. Sem estádio de futebol, ninguém tem alegria no trabalho! Tá provado, não?

4. George Walker Bush foi eleito para a Presidência dos EUA. Se só votassem todos os americanos com mais de dois neurónios, nunca seria eleito. Todos os outros foram brilhantemente manipulados no obsessivo jogo de estratégia de Karl Rove.

5. Também Vladimir Putin foi reeleito. Tenho só um comentário a fazer. Certo dia, chegava a casa e liguei o televisor, passava pouco das 8 e queria seguir as notícias. A imagem era muito comum. Um pobre homem prostrado, esfarrapado e sujo, nítida e recentemente espancado, era ladeado por dois brutamontes, encapuçados e também entrapados, com muito mau aspecto e de kalashnikov em punho. Um de cada lado.
Não tive dúvidas: mais um sequestro no Iraque. Mas não, estava muito longe da verdade.
Tinha havido o ataque à escola primária de Beslen, na Ossétia do Norte e o “pobre homem” era nada mais, nada menos do que o primeiro suspeito. Mas quando se confunde os agentes da autoridade com terroristas, algo vai muito mal nesse país.
Por falar em Terrorismo, a Espanha ficaria para sempre marcada, em 2004, pelo 11-M.

6- O fim do ano foi palco ainda de mais uma catástrofe natural sem precedentes. O terramoto que assolou a Ásia e as ondas devastadores e gigantescas que se lhe seguiram. Para a posteridade ficar-me-ão para sempre as palavras de uma turista portuguesa que embarcou de férias para a Tailândia alguns dias depois; respondia, se bem me lembro, que tinha pena de ir naquela altura, porque, as condições não iam ser as melhores e tinha pago a tarifa normal. No entanto, ia conseguir ver as coisas “mais ao natural”. Forcei-me durante vários dias a acreditar que, paralisada com a câmara de televisão, aquela “criatura” simplesmente tinha deixado de pensar e algumas palavras aleatórias foram saindo sem qualquer entendimento nem sentido. Quero continuar a acreditar que as pessoas não são assim.

Publicado em Jun 24, 2004

Taxistas e o Euro2004

Na noite de 24 de Junho – e ao que tudo indica, parece estar a ser prática corrente desde que o EURO2004 começou – aconteceu, na Avenida 24 de Julho, a situação caricata que a seguir descrevo.

É tão simples como isto: cerca das 3 horas da madrugada e para pequenas distâncias, era completamente impossível apanhar um táxi! Mas o impensável vai ainda mais longe; caso a aparência de quem pedia um táxi fosse a de um típico “portuga”, então é que os táxis não paravam mesmo.

Pois é, aconteceu comigo e com outros compatriotas. 3 horas da manhã e nós a sairmos de uma discoteca na Avenida 24 de Julho. A clássica fila de táxis à porta, nem vê-la, o que até se compreendia dado os acontecimentos daquela noite: a selecção tinha passado às meias-finais! Até aqui tudo bem, nada a fazer a não ser esperar. O primeiro sinal de que algo de estranho se passava com os táxis é dado quando, depois de ter deixado alguns passageiros, o primeiro táxi que aparece fica misteriosamente sem qualquer luz em cima. Nem sinal da luzinha verde que todos aguardavam ansiosamente. Pensei: luz desligada, acabou o serviço, vai para casa, e perdi-lhe o rasto.

Eis que chega um segundo táxi e o procedimento é exactamente igual. Desta vez fiquei mais curioso e continuei a segui-lo com o olhar. Observo então, ao longe, vários grupos de pessoas a dirigirem-se ao táxi e a voltarem para trás. Tudo bem, pensei para comigo, são ignorante, não percebem que acabou o serviço. Não podia estar mais errado!

O que se realmente se passava e que vim a descobri mais tarde da pior maneira possível, era um verdadeiro “leilão”, onde o taxista escolhia a seu bel-prazer quem iria ser o felizardo contemplado com uma viagem! Portugueses estavam praticamente excluídos à partida, a preferência era dada a estrangeiros, ingleses no topo da lista. A regra era a seguinte: quando mais ignorantes, bêbados, estúpidos e com aparência de terem dinheiro, mais era a probabilidade de terem a atenção do taxista. Mas é claro, não se pense que isso chegava. De facto, vi muitos com essas mesmas características a serem, ainda assim, recusados. As palavras-chave que abriam o “táxi-sessamo” nessa noite eram mesmo: “Sinteraa”, Cázcais” ou “Éstoril”. Aí sim, voltava a desejada luz verdinha, ainda que só por meros segundos.

Já se está mesmo a ver que situação repetiu-se, repetiu-se e voltou-se a repetir nessa noite. Depois de muitas tentativas, algumas discussões – muitas delas terminadas com a mesma frase: “O Táxi é meu, faço o que eu quiser!” – a verdade é que só conseguimos apanhar táxi com a intervenção da PSP no local. Um dos agentes deu “umas palavrinhas” a um taxista, notícia espalhou-se misteriosamente e parece ter sido remédio santo.